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POEMAS E TEXTOS

poemas 

CENAS COTIDIANAS
Iveta Ribeiro


Fazem-se ao mar os veleiros...
Asas Brancas palpitando,
Bojos escuros singrando
As ondas mansas de então,
que, logo, se a tempestade
Surgir, cruel e maldosa,
Vagas tremendas serão!


Lá vai Tibúrcio, o moreno
Namorado da Luzia,
Filho do velho Lobão...
E, com ele, a alma dela,

Segue calma e confiante
Num futuro venturoso,
Bonito como um clarão!


Lá vai Mané Francisco
Pescador dos mais antigos
Pele curtida de sol,
Cabeça branca de neve,
Cantando para os amigos,
As cantigas que recordam
Muitos amores que teve
Dos quais não ficou nenhum
Por que amou depois o mar,
E quis mais bem ao seu barco,
Do que um rancho pequenino,
Erguido à beira da praia.


Onde nasceu para pescar!
Já vão longe os vultos finos
Dos barcos feitos ao mar...
Na praia brincam meninos,
Nas choupanas, as mulheres
Cosem redes, fazem lume,
Embalam berços cantando,
Com vontade de chorar...

Sonetos e glosas

TEUS OLHOS
MOTE
Esses teus olhos negros, profundos,
Estão sempre a mirar-me com malícia,
Vejo neles promessas de outros mundos,
Que me envolvem o ser numa carícia.
Universina de Araujo Nunes – Bagé/RS


GLOSA
Esses teus olhos negros, profundos,

na poesia, encontrou caminho.
Foi envolto por carinhos e esplendor
que gosto pela vida reencontrou.

 

Teus olhos despertam-me desejos.
Estão sempre a mirar-me com malícia.
Quando nossos olhares se encontram,
sinto-me tomada de amor e encanto.


O tempo gera-me mudanças e certezas
e sentimentos desabrocham dissimulados.
Vejo neles promessas de outros mundos,
um querer infinito como o oceano.


Ora vivo momentos difíceis e árduos,
ora outros, entre sorrisos e emoções,
mas é o calor dos teus lábios e abraços
que me envolvem o ser numa carícia.

poemas livres

BRISA DE DENTRO
Bernadete Saidelles


Descobrir
      Sentir


o quanto sei pouco


me desmotivou
saber mais do mundo


me motivou
saber mais de mim


entrei em meus labirintos
enfrentei monstros imaginários
que me impediam de ir além


lutei com espada de coragem
cortei cabeça dos medos


abri cadeados enferrujados
             de passado


mergulhei no lodo
descobri túnel que me levou


a uma praia serena
águas cristalinas


nadei com golfinhos
fui descansar
nas finas areias

curtindo a brisa
que soprava


de dentro pra fora

contos

ONDE AS BRISAS SOPRAM
Caren Borges


A tarde de sábado foi incomum para Nadezhda. O coração compassava sem suspiros. A mente e o corpo, sentia-os fatigados pelas ventanias e tempestades viscerais. O mundo não parecia amigável nem dentro dela mesma. Caminhava a esmo e sem brisas-esperanças desde a aldeia ucraniana às margens do Mar Negro, da qual evadiu apenas com uma mala de mão e seu querido maltês. Na estrada cinzenta da cidade portuária Mariupol, os carros passavam contendo olhares pouco amistosos. O cenário assemelhava-se a uma corrida pela vida, só que, ao invés de atletas, viam-se zumbis sem saber se na linha de chegada haveria vitórias.
Por meio de um comboio, Nadezhda finalmente alcançou a fronteira sendo acolhida na fila para a documentação. Deixaria para trás o país e todas suas origens. A vida caleidoscópica girava em efeito pesadelo. Vislumbrava como eldorado a América Latina. Amava música e natureza. Não sabia falar português nem espanhol fluentemente, porém 
aprenderia mais sobre o idioma ao assistir programas de televisão ou em audiobooks. O ar pueril era o que restava da identidade bombardeada. Os ataques das tropas russas no território ucraniano, após o início da ofensiva de Putin, marcariam para sempre suas memórias.
Na fila, conheceu Pavlo e Milla, ambos da Criméia. Foram bons amigos na horada escolha mais difícil que já fizera: deixar seu mascote e seguir apenas com a minúscula bagagem. O trio escolheu a Alemanha como primeiro refúgio. Devastados internamente pelas perdas adjacentes do conflito armado, adaptaram-se ao ACNUR, programa da ONU para refugiados e receberam a bolsa DAFI, administrada em conjunto pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.
Os jovens conheceram uma moça germânica, filha de pais brasileiros, residentes em Hannover. A família de Martina foi prontamente acolhedora. Todos estavam sensibilizados com as histórias de resiliências dos sobreviventes ucranianos.
Mobilizados, refletiram sobre a missão de cidadania e organizaram um plano para concretizar o sonho dos apátridas pelo eldorado na América Latina. O clima na Europa era de incertezas. Hannover ficava há apenas 700 km do conflito armado. O medo pelo impacto de uma bomba atômica os assombrava. Uma guerra nuclear poderia eclodir.
Nadezhda sentiu uma onda de mal-estar no corpo, não compreendia os sintomas de náusea e sonolência. O atendimento pela assistência de saúde do ACNUR diagnosticou o período embrionário. A moça não acreditava no milagre da vida acontecendo no ventre. Lembrou-se da violência sexual sofrida durante a invasão russa.
Um choro inconsolável abateu-se sobre ela, assim como variadas indagações. O futuro, como seria? Os planos de estudos? O início de uma carreira? O sonho de morar na América? Não queria viver em campo para refugiadas ou filiar-se às cooperativas de mulheres vulneráveis. Nadezhda impulsivamente enterrava o passado, e uma ansiedade sobre o devir a contagiava. Milla e Martina a abraçaram fortemente como um círculo protetor.
A casa de Martina tornou-se o locus de longas conversas na sala. As orientações dos adultos sobre o futuro de uma jovem grávida sem parceria amorosa não parecia promissor, mesmo em um país em desenvolvimento. O direito ao trabalho ficaria restringido para uma refugiada grávida, imaginavam. Acreditavam que a capacitação fosse essencial para as refugiadas subsistirem e participarem da economia. Reconstruir a vida sem dominar outra língua também seria desafiador.
Nadezhda lembrou da mamushka e do gosto do prato preferido com aromas típicos que lhe proporcionavam alento. Foi desafiada pela família de Martina a cozinhar. Os ingredientes, encontrou-os no pomar coletivo do bairro, moda europeia de formação de clubes e condomínios com produtos orgânicos para residentes em apartamentos. Iniciou o preparo do Deruny com especial carinho. As panquecas de batata abrilhantaram os olhos de Pavlo. Emergiu nele um calor inexplicável sob a face. Ruborizado, elogiou a ucraniana que parecia roubar seu coração pelo estômago.
Milla lançou um olhar torto para a empolgação de Pavlo, sentira uma pontada de ciúmes pelo irmão. Porém admitiu que o Deruny realmente estava excelente e remetia às memórias do lar. Testemunharia o amor acontecer diante do inusitado paladar das vidas jovens? Ou seria apenas a fragilidade da autoestima dos sobreviventes reluzindo novos sopros?
Laços de amizade formavam uma atmosfera favorável para Nadezhda, apesar das lágrimas persistirem no cotidiano. Os quatro amigos arquitetaram ideias de futuro e puseram-se a sonhar. A onipotência juvenil tem esse ínterim de idealismos. Crer no futuro é a tarefa mais profícua do ciclo vital. Nadezhda tornar-se-ia uma refugiada ativista diante do desejo de participar das mudanças na sociedade. Queria participar da construção de cidades inclusivas e sustentáveis.
As tardes de sábado ganhavam novos contornos com a solidariedade dos pais de Martina. E os ventos mudaram totalmente após o primeiro mês de gestação de Amelie: Pavlo rumou à Austrália, Milla seguiu com Martina para a Argentina e Nadezhda tocou o céu quando atravessou o Atlântico.
Com a filha no ventre, dominou a língua portuguesa e matriculou-se no curso superior Online de Direito. Sonhava ser uma importante defensora das pessoas refugiadas, mesmo que a nova nacionalidade custasse a ser conquistada. O visto humanitário ou a naturalização são processos complexos para refugiados.
O Rio de Janeiro haveria de esperar. Nadezhda foi realojada em Prudentópolis, Paraná. Todas as noites lê para a filha histórias de amor-próprio para inspirar e introduzir a menina ao vocabulário e à cultura de igualdade de direitos entre os gêneros. 

A realidade de ser mulher (refugiada) na América Latina é árdua devido ao preconceito e à marginalização. A taxa de desemprego para as mulheres não tem diminuído. Recebem uma gama ampla de microagressões e precisam dedicar mais horas para provar o seu valor.
O rosto feminino da mãe apareceu na memória. Não esqueceu a cena da mama com uma arma nas mãos, pronta para defender a cidade diante da invasão russa. Nadezhda fugiu em busca de segurança, mas no caminho teve o corpo violado. A localização da mãe está em segredo, pois soube pela CIA que ela entrou para a “lista de assassinatos” do presidente russo Vladimir Putin. Sente a angústia de receber a notícia da morte da mãe e não poder recuperar seu corpo para uma despedida digna. Resgatar a mãe e o maltês vivos se tornaram sonhos improváveis. A vida na América Latina significava o renascimento. Amelie, a bebê, continha no sangue a Ucrânia e a Rússia, mas carregaria no coração a esperança ocidental da paz. Aprenderia que com solidariedade constrói-se um futuro melhor para todos. Nadezhda seguiria a caminhada segurando sua mão. Brisas-esperanças haveriam de lufar.
Nadezhda, finalmente experimentou uma tarde de sábado maravilhosa: recebeu a visita das amigas. Juntas foram em passeio à Curitiba. Lá, prestigiaram a mostra de cinema argentino “nuevos cines”. E, por puro acaso, assistiram ao filme “Paulina”, premiado em Cannes, em 2015. Perplexas, descobriram que a cultura da agressão ao sexo feminino na América Latina independe do contexto de guerras.
A mulher que tem no nome o significado de “esperança” deveria ser a porta-voz do otimismo da condição feminina. A mulher-esperança frisa que os ventos soprem sem as lentes do machismo. Intui que as brisas deveriam soprar onde as almas humanas se acalmam. Não se trata do mar, nem das montanhas, nem do oriente ou do ocidente, mas do mundo interior esperançado. Onde o amor à vida se faz nascente e os laços fraternos são continentes.

crônicas

​QUE ÁREAS DE MIM SERÃO URBANIZADAS?
Bernadete Saidelles


Será que todos os caminhos teriam me conduzido para onde estou? E afinal, onde estou? Quem sou? E, principalmente, o que poderia ter sido se... E se eu tivesse amadurecido antes? Ou depois? Depois do quê? Será que amadureci o suficiente?
Comparado a quem? Será que li o suficiente? É claro que não. Ou seria, claro que sim? Não sei. Tudo depende de onde se quer chegar. E onde quero chegar? Sempre quis chegar naquela parte de mim onde houvesse paz de sono tranquilo, sem a inquietação de ter que dar explicações a quem fosse e sequer pra mim, das atitudes inconsequentes que tive.
Quando morei na casa dos vinte, a vida era de alegria e incertezas: quem eu seria? Faria o quê para sobreviver? Teria filhos? Casar nunca foi opção, porque latejava dentro de mim a certeza de que se tivesse que ser, teria de ser de tirar-me o chão. Mas sempre quem tirou meu chão fui eu, nas más escolhas.
Quando me mudei para a casa dos trinta era hora de recomeçar com a roupa do corpo e foi necessária muita força, resiliência, paciência, amor-próprio, mãe e irmãos. Era hora de costurar retalhos de mim, fazer mosaico de meus pedaços e jogar fora partes que já não se encaixavam em quem eu havia passado a ser. Tratava-se de quem eu poderia reconstruir em mim usando pó de outra argamassa.
Na casa dos quarenta, eu tinha dois filhos pequenos, sozinha para cuidar deles e ter que dar colo também pra mim, quando não havia mais braços para me carregar junto. Quando mudei para a casa dos cinquenta parecia que estava no auge de mim e que dali pra frente seria só declínio, intuindo que havia encontrado o tal “grande amor”.
Demorei pra perceber que aquilo não era amor e, muito menos, grande, porque quando nossa autoestima está baixa, nos contentamos com migalhas. Faz pouco que mudei para a casa dos sessenta e é a mais agradável, pois nunca me senti tão bem. Cuidei da minha saúde, com alimentação saudável, excessos só de vez em quando e exercícios regulares, tirando a pandemia, que essa parte não conta.
Fui mãe mais tarde que o normal e eles moram comigo e estão na fase de levantar voo e posso ser ninho que acolhe, falando sobre ventos que levam por lugares que não gostaríamos de pousar, feito pássaro perdido do bando. Descansar na ponta do mastro de navio encalhado, enquanto encontra forças para retomar voo e restabelecer GPS contido no DNA. Não sei o que me espera na casa dos setenta, oitenta e noventa, pois não sabemos se tal área será urbanizada. Não importa se houver amanhã, porque a paz que busquei está bem aqui e não pode ser negociada, porque atingiu um valor que ninguém pode pagar, porque já paguei cada centavo garimpando moedas brilhantes dentro de mim.

artigos

DIMENSÕES SOCIAIS DA LINGUAGEM
Eloá Muniz


Toda a relação de comunicação se constitui pelo estabelecimento de vínculos entre as estruturas. Os vínculos são estabelecidos a partir da construção discursiva, ou seja, numa instância onde a produção do sentido se institui na direção, tanto do emissor quanto do receptor. É, por assim dizer, o resultado de uma relação construída pelo processo de troca de informação. A produção do sentido, considerando as condições e os meios, possui uma intencionalidade. Haverá sempre uma intenção de comunicação permeando as relações entre os membros de uma coletividade definida no tempo e no espaço. Este membro da sociedade se torna, assim, o sujeito histórico desta relação comunicacional, tendo condições de produção e recepção de mensagens. Esta condição espaço-temporal que cria o campo social, onde as interações de discursos se efetivam e as relações dicotômicas se evidenciam, constitui o lugar onde se localiza o estudo do significado e onde se estabelecem as relações de oposição no sentido estrutural. Este contexto social que é formado pelo sujeito histórico, no qual ele é visto como o início e o fim de todo processo de comunicação, se estabelece em função de suas matrizes culturais e das articulações possíveis nas relações de vínculos entre as classes sociais. Ou seja, o sujeito histórico é o agente desta relação comunicacional, atuando ora como emissor ora como receptor de mensagens.
Assim, o agente age e é agido pelos eventos sociais, uma vez que os acontecimentos são processos de
formulação de verdades, onde cada agente possui a sua verdade. Desta maneira, cada sujeito histórico constrói a sua verdade ou as suas verdades, originando as estruturas sociais que são o construto de várias ações em movimento, num processo de constante formulação de verdades. Estas verdades não são absolutas, tampouco são hegemônicas. Elas são mutáveis e interage com outras verdades oriundas de várias estruturas podendo ou não ser reconhecidas como tal. À medida que a sociedade se torna mais e mais democratizada, ela se impõe e se expõe às quantidades, cada dia maior de verdades, estabelecendo uma relação de poder de convencimento, pois quanto maior o número de adeptos a uma verdade mais verdadeira ela se torna. Assim, as estruturas se preocupam em produzir, cada vez mais, o seu sentido de verdade, construindo formas simbólicas de reconhecimento no universo simbólico do campo mediático. Estas estruturas se organizam conforme os interesses comuns de sentido, produzindo acontecimentos que possam formular e reforçar sua identificação pelo contexto social. Desta forma, as estruturas de maior poder, detentoras da informação, possuem mais condições de produzir mensagens e motivar as sensações humanas para as percepções de sentido, do que as estruturas de menor poder. Esta relação desigual de poder se estabelece no mundo moderno através dos processos dos medias em geral. Os medias são formas simbólicas utilizadas para intensificar a produção de signos que possam ser facilmente identificadas por ocasião da emissão das mensagens. Temos por assim dizer, que o contexto social está constantemente sendo abastecido de significação, pois a realidade apresentada através dos medias são construções significadas a partir da realidade. São, portanto, verossímeis. O mundo moderno utiliza-se dos medias para criarem sentidos e significações para os mais diversos tipos de discursos. Assim, a interação estabelecida pelas estruturas sociais, através dos medias, se constitui em uma relação recíproca de poder, ou seja: o ato de comunicação.

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